O CONSUMO DA PIRATARIA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA: O LUXO ESTÁ NA MODA
Gabriela Maroja Jales De Sales
Maura Carneiro Maldonado
Resumo:
O consumo é um fenômeno que cresce a cada dia, fruto de uma nova sociedade relacional, que vê na mercadoria objeto de prazer e hedonismo. Alguns filósofos e sociólogos já viam no consumo, sobretudo da moda, um símbolo da distinção entre classes sociais, ou estamentos, como prefere Simmel. Porém, na sociedade pós-moderna que vem se configurando a partir da 2ª metade do século XX e, sobretudo, no século XXI, surge um novo elemento que muda o panorama do consumo, principalmente dos bens culturais e da moda de luxo: a pirataria, ou seja, falsificação de produtos.
Com a pirataria novas discussões são incorporadas às ciências humanas, afinal ela pode ser vista de duas maneiras: como exclusão, mas também como uma forma de democratizar os bens de consumo, portanto, como inclusão social. É disto que trata nossa pesquisa.
Palavras-chave: consumo de pirataria, pós-modernidade, moda, luxo.
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Introdução
Este artigo tem como objetivo analisar o problema da pirataria na sociedade moderna visto que este fenômeno hoje é um dos problemas mais difíceis de ser controlado e aumenta a cada dia, em proporção ao crescimento do mercado de luxo e da tecnologia, que deixa cada dia mais pessoas excluídas do consumo de bens e serviços.
Trata-se de ver a pirataria, que será conceituada posteriormente, como um fenômeno típico de uma economia de mercado. Este movimento se fortaleceu após a Revolução Industrial no século XVIII quando as mercadorias passaram a ser confeccionadas de forma que não se pudesse ser distinguida a sua qualidade ou marca. “A capacidade de consumir conspicuamente foi estendida a milhões de pessoas” (LURIE, 1997:145). Instaurou-se uma preocupação dos produtores e distribuidores em continuar incentivando o desejo de compra a partir do prestígio que então passava a ser menos aparente.
"Por um certo tempo parecia que realmente seria impossível, para a maioria de nós, distinguir o muito rico do moderadamente rico ou do meramente rico pelo que vestiam. Essa terrível possibilidade foi evitada por um ato ousado e engenhoso. Percebeu-se que um traje indicando uma classe alta não precisava exibir uma qualidade melhor ou ser mais difícil de ser confeccionado do que outros; precisava apenas ser reconhecido como mais caro. (...) Isso foi realizado de maneira muito simples: deslocando o nome do fabricante, antes relegado à uma posição modesta no interior da roupa, para um local de proeminência. (...) Houve por exemplo, um grande aumento na venda de bolsas de plástico marrom, muito feias, que por terem impressas, em bastante evidencia, as letras “LV” (Louis Vuitton), sabia-se que custavam muito mais que as menos feias de couro marrom.”(LURIE, 1997:145).
Essa grande transformação no modo como os bens eram produzidos, deslocando o trabalho da força física e muscular para o universo da máquina, proporcionou e provocou o aumento gigantesco do consumo. Deste modo percebe-se a tendência dos consumidores em apreciar mais do que a função utilitária dos produtos, o seu valor intangível, ou seja, os símbolos de status, beleza, prazer e prestígio (SCARABOTO, 2006).
Segundo Strehlau (2005, p.1) “a posição de um indivíduo na estrutura social se expressa através do seu consumo”, neste sentido a aquisição de bens falsificados aproxima o consumidor da aura simbólica de distinção que os produtos de luxo prometem.
O objeto desta investigação é a pirataria, entendendo que esta não se configura apenas como um problema moral, como um fenômeno de evasão de renda, como uma ação que infringe a ordem fiscal, como uma mancha e uma desordem no mercado formal, conseqüentemente gerando a informalidade e desorganizando a produção.
Considera-se que a falsificação comporta vários ângulos de análise, e dentre estes se salienta o caráter antropológico e a dimensão simbólica. Na verdade, a pirataria mais do que tudo revela uma sociedade que conhece a produção em massa e deseja os seus produtos. Porém dentro das escalas sociais encontram-se motivações diferentes ao consumo simbólico, as elites consomem produtos de luxo na intenção de manter e defender os seus gostos e distinção a partir do uso de produtos caros e raros.
Já as classes econômicas inferiores tentam imitar este estilo de consumo procurando produtos substitutos que pareçam com os originais. Assim, a pirataria aparece não apenas como uma produção fora da lei, mas como o modo como o homem, um animal simbólico por excelência, se posiciona diante do consumo, se insere no universo do desejo, se realiza como participante de uma esfera que não deve ser apenas de alguns privilegiados, mas de todos, numa apropriação legítima.
Para este estudo foi realizada uma pesquisa de campo na cidade de João Pessoa com sujeitos de alto poder de compra e com máximo nível de escolaridade, objetivando descobrir a motivação do consumo de produtos falsificados. Supõe-se que apenas a classe inferior consome produtos pirateados, porém este nicho de mercado interessa a muitos atualmente, e não apenas àqueles privados de renda e acesso à informação.
Desta forma, entrevistar sujeitos da classe dominante, que supostamente podem pagar por produtos autênticos, pretende responder de forma real a verdadeira motivação por este tipo de consumo.
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Referêncial teórico
A Pirataria está na moda
O problema da pirataria está na ordem do dia. De economistas a empresários, passando por agentes do Estado, educadores, psicólogos, sociólogos, a pirataria é tema de amplos e apaixonados debates. Roupas, acessórios, CD´S, DVD´S, livros, softwares de computadores, tudo que se fabrica e se consome está incluído no universo da pirataria.
De um momento para outro o mundo se viu diante de um movimento que parece não ter limites e nem barreiras, desafiando a lei e os governos de todo o mundo. Nas décadas de 70 e 80 a falsificação era um negócio de pequeno porte, os produtos eram claramente de baixa qualidade e muito baratos.
A democratização do luxo e a entrada da China no mercado globalizado mudaram este panorama, produtos inautênticos se proliferaram com grande velocidade e as grandes marcas, que até então não se preocupavam com este tipo de concorrência, foram pegos de surpresa.
O grande investimento pelas marcas de prestigio em ações publicitárias por um lado aumenta suas vendas, por outro dissemina o desejo de compra em grupos sociais que não têm poder aquisitivo para tanto, assim fazendo crescer junto com suas vendas a produção de produtos pirateados que podem ser adquiridos por 5% ou 10% do valor da mercadoria original (THOMAS, 2008).
Frequentemente são apontados os aspectos anti-éticos da pirataria, sua dimensão destruidora da economia formal, sua responsabilidade pela manutenção do submundo, sua ligação com o crime organizado, seu papel de vilão na evasão fiscal. Embora hoje em dia cds, canetas, perfumes, relógios e até água mineral sejam falsificadas, o ramo da moda é um dos mais prejudicados.
Em 2000 o Global Anti-Counterfeiting Group (Grupo Global Antifalsificação) afirmou que 11% do consumo de roupas e assessórios do mundo eram pirateados, o que significa que o setor fashion perde até US$ 9,2 bilhões anualmente (THOMAS, 2008).
Neste cenário, a máquina arrecadadora dos Estados se vê privada do pagamento de impostos, o comércio legalizado reclama da concorrência desleal, os legisladores criam normas que impedem a pirataria, porém todas as forças coercitivas parecem inúteis no seu combate. A sociedade pós-moderna parece ter abalado todas as verdades, todos os fundamentos que eram a força de um mundo mais estático. O desaparecimento das barreiras de todos os tipos, a informação caracterizada pela velocidade, a contestação de todos os valores, parecem desenhar o rosto da sociedade pós-moderna.
Pirataria: efeito da globalização?
Para compreender melhor o que significa a pirataria de muitos dos bens produzidos, é fundamental uma referência, por mais breve que seja ao que se convencionou chamar de globalização ou mundialização. Com efeito, estas duas palavras, tomadas como sinônimos são um movimento contínuo de vendas e trocas de produtos, bens e serviços que praticamente não conhece fronteiras. Mas apesar deste ser um tema atual, globalização é fruto do desenvolvimento da humanidade (GRIECO, apud José Junior, 2005:27).
A sociedade contemporânea é descendente de um intercâmbio cultural quando na cultura têm-se influências de índios, africanos, portugueses, italianos, espanhóis e estes por sua vez já trouxeram influências orientais pelas transações comerciais feitas com o Oriente Médio, desde antes do descobrimento da América. Por exemplo, o tempo das grandes navegações já se buscava expandir territórios e quebrar as fronteiras.
O que caracteriza a globalização dos tempos atuais é o uso da tecnologia a serviço das trocas mundiais. Os jatos intercontinentais, a televisão, o rádio, o telefone, o computador e todas suas operações, tudo isto formatou um mundo novo, um novo tempo, de tal modo que Castels (1999) afirma que a sociedade de hoje é uma “sociedade em rede”, uma sociedade continuamente interligada, que não conhece mais nenhum tipo de limites no seu movimento, na sua onda contínua e configurando um novo paradigma fundado na velocidade das informações.
Vivendo numa “aldeia global”, para lembrar a expressão de Marshal McLuham, que tudo produz e tudo consome, o fenômeno da pirataria também se situa no universo do “desejo global”, cuja realização é a filha legítima deste movimento de consumo. Assim, piratear não é apenas compreendido no universo da ilegalidade, da infração, mas se situa no cenário em que todas as classes, todos os estamentos se sentem no direito de possuir e de consumir os bens e serviços.
O Homem Sonha, A Cópia Nasce
Com efeito, a pergunta básica que deve fundamentar um estudo sobre a pirataria é aquela formulada por Douglas e Isherwood (2006:52): “Por que as pessoas querem consumir bens, e se querem, este consumo tem uma escolha racional?”
Para responder a esta pergunta, é necessário compreender que o desejo de consumo e de possuir bens e conseqüentemente de adotar todo tipo de moda, comportamento, padrões, remonta ao homem primitivo. A mercadoria, seja ela qual for, ao invadir a vida humana na sua totalidade, terminou por ser o centro do sistema econômico, ocupando o lugar de um semi-deus no universo da existência (Baudrillard, 2007).
Deste modo o consumo, considerado agora não mais respondendo à simples sobrevivência, mas preenchendo aspectos fundamentais do homem no seu plano simbólico, passou a ser encarado como realmente deve ser: a busca da realização de um animal falante, desejante, mutante.
Para tanto, é importante diferenciar o que é necessidade e desejo. A necessidade seria o indispensável o inevitável, e o desejo e a vontade de conseguir algo, ambição ou sonho (CASTARÉDE, 2005). A necessidade está presente no desejo, inclusive precedendo-o. Não é fácil definir um limite moral para a necessidade, principalmente na sociedade contemporânea, onde por um lado se encontram a profusão de oportunidades e objetos, além de estímulos à compra, e por outro, um mundo miserável e subdesenvolvido. Mas, mesmo a classe social menos favorecida está sujeita a questionamentos sobre o que é ou não necessário.
Oh, não discutam a “necessidade”! O mais pobre dos mendigos possui ainda algo de supérfluo na mais miserável coisa. Reduzam a natureza às necessidades da natureza e o homem ficará reduzido ao animal: a sua vida deixará de ter valor. Compreendes por acaso que necessitamos de um pequeno excesso para existir? (SHAKESPEARE apud BAUDRILLARD, 1995, p. 39)
Lipovestky (2005) corrobora com essa perspectiva quando ressalta que mais ninguém ou quase ninguém vive tendo como objetivo a aquisição do “estritamente” necessário. Isto se dá em função da supervalorização do consumo, do lazer e do bem-estar relacionados à compra de produtos “supérfluos”. Portanto, é importante entender que as necessidades perpassam questões de cultura, costumes e posição social.
Allérès (2006) faz uma avaliação sobre o que é necessidade e se ela é ou não absoluta. A sua conclusão é de que hoje é vivido um enriquecimento das necessidades, e estas são classificadas a partir de prioridades que vão das instintivas (alimentação, proteção, segurança) às sociais (aspirações pessoais, sonhos, fantasias, beleza, lazer). Também se pode falar nesta questão como necessidades verdadeiras ou falsas.
A autora afirma que distinguir as verdadeiras necessidades (físicas) das falsas (sociais) não teria nenhum sentido, na intenção de dizer que as mesmas não são excludentes, pois o fato de uma ser determinada como falsa ou supérflua não a descaracterizaria como sendo uma necessidade. Ainda nesta análise, a autora aponta que a necessidade é baseada na utilidade dos bens escolhidos, os quais correspondem ao nível socioeconômico do indivíduo, reforçando a idéia de que o que é necessário para um grupo de poder econômico elevado pode não o ser para os menos favorecidos.
Dentro das necessidades sociais da compra de luxo estão os valores simbólicos atribuídos a este conjunto de produtos como status, distinção, auto-realização, prazer. Esta é a chave para compreender o fenômeno da pirataria, especialmente nos tempos pós-modernos onde a produção em massa, a estandardização do produto, produz e oferece um universo de sonhos, muitas vezes inalcançáveis.
A falsificação revela especialmente o campo do desejo, a vontade de participação de todas as classes, todos os segmentos sociais em consumir os bens, mesmo que estes não estejam à disposição de seu poder aquisitivo. É esta a tese de Lipovetsky (2005:16) ao afirmar que “hoje vemos desenvolver-se o culto das massas das marcas, a difusão das cópias, a expansão da falsificação, que é estimado em 5% do comércio mundial”. Deste modo, a pirataria é uma decorrência não somente do mundo dos negócios, do lucro, da sonegação, mas uma face escondida que todos têm em participar não somente dos bens que cobrem as necessidades básicas, mas de um mundo do consumo superior, do consumo de bens caros, supérfluos, e neste cenário Lipovetsky acrescenta que “o luxo é o sonho” (p.19), é também um fenômeno cultural, uma atitude mental e social que afirma o poder de transcendência, evolução e espírito de “não-animalidade” do homem (LIPOVETSKY, 2005).
Pode-se afirmar que a pirataria como um comportamento generalizado, está situada na confluência de dois mundos: o mundo das relações econômicas e o mundo do simbólico, do desejo. Estes dois mundos estão intimamente ligados ao mundo do consumo. Não sendo o homem um animal em estado puro, dono de um corpo que deve apenas ser alimentado, abrigado das intempéries, reprodutor da espécie, caminhante em busca da sobrevivência (BAUDRILLARD, 1995), mas um ser colocado no mundo para transformá-lo, num processo chamado de cultura, fica patente que este animal se movimenta numa rede de signos. Para exemplificar, tem-se a moda como um indicador desta rede. Vestir uma roupa, usar um relógio, adornar-se com um lenço, dirigir um automóvel, nos transforma e nos caracteriza como um ente de desejos e de utopias (THOMAS, 2008;).
A moda transcende em muito o sobreviver apenas. Os seis milhões de automóveis que circulam pelas ruas da cidade de São Paulo não levam seus condutores somente ao trabalho e ao lazer. Eles são símbolos de alguma coisa maior, mais profunda, que identifica seu proprietário, isto é, a marca, a grife.
Neste universo de consumo em série, como admirar o estimulo dos indivíduos de querer este título de sócios, de proprietários? Não existe uma satisfação em apenas observar as classes de maior poder aquisitivo desfilar suas marcas de roupas, sapatos, jóias, bolsas, celulares. Os “fora do grupo” também desejam participar do banquete das obras de arte, das músicas, dos filmes e de tudo que desperta nossos sentidos (SIMMEL, 1998). Deste modo, a pirataria também aponta para um problema cada vez mais discutido: o que é inclusão, o que é exclusão
É neste aspecto que a pirataria não pode ser compreendida apenas como uma necessidade de consumo, mas deve ser colocado também no cenário da injustiça social, na injusta divisão de riqueza no interior das sociedades. Com efeito, a perversa concentração de renda na mão de minorias é um estimulo à pirataria, e, portanto à inclusão social de um grande número de pessoas. Ao lado disso, a pesada carga tributária que atinge até mesmo rendas mínimas é um convite à imitação do produto e marcas.
É possível que se o Estado renunciasse a arrecadar acima de tudo e o dinheiro circulasse com mais desenvoltura, a tentação de cair na marginalidade econômica fosse menor. A cada compra de um produto pirateado o consumidor parece querer dizer: “também quero participar desta festa, pois tenho direito ao bolo, tenho direito ao que me dizem que é bonito e bom” seguindo a máxima imposta pelo universo do consumo de grandes marcas para quem não é necessário apenas consumir, mas consumir conspicuamente segundo Veblen (1974).
Visto assim, piratear é incluir, é de alguma forma participar do consumo universal. Pode-se também afirmar que a pirataria é uma ação intimamente relacionada com a questão do desemprego, em todas as partes do mundo, notadamente em países de economia frágeis (THOMAS, 2008).
Grande parte das populações de economias debilitadas encontrou na imitação e na reprodução de produtos e serviços a única forma de sobreviver, seja como produtores, seja como consumidores. Como consumidor, ostentar um “símbolo” de riqueza, luxo, poder e sucesso, ainda que pirateado, tem o efeito de sentir-se incluídos, de demonstrar força e presença.
3. MÉTODO
Com o objetivo de compreender o fenômeno do consumo da pirataria foi realizada uma pesquisa de campo exploratória e qualitativa ancorada na análise de discurso, na intenção de desvendar nas falas dos entrevistados um pouco das representações que povoam o imaginário e o pensamento que circulam a respeito do consumo de produtos piratas, sobretudo os produtos de moda.
Na verdade, sendo o consumo da pirataria considerado algo como quase exclusivo das classes desfavorecidas, foi feita uma avaliação do pensamento circulante na classe A/B, classe esta que se supõe ter renda suficiente para adquirir produtos originais. Será que também consomem produtos piratas? Será que o consumo se dá na mesma esfera das representações da classe de renda inferior?
Para as pesquisas de caráter mais subjetivo, que trabalham com aspectos simbólicos, percepções sobre experiências, interações humanas e outros fenômenos interpretativos, opta-se por uma abordagem qualitativa que permite uma análise mais rica em informações e uma interpretação mais completa das falas dos indivíduos envolvidos na pesquisa.
Deste modo, foi escolhido um pequeno grupo representativo no contexto da investigação, tendo em vista que a validade da amostra de uma pesquisa qualitativa não é determinada pelo número de pessoas entrevistadas, mas sim pela qualidade da análise feita a partir deste instrumento de pesquisa (MALHOTRA, 2001).
Como instrumento complementar à entrevista tem-se a observação participante e a entrevista semi-estruturada, que mantém um padrão mais ou menos rígido nas suas perguntas, porém, permite que as respostas possam aflorar ao longo das falas dos entrevistados, questões suplementares, problemas ou soluções não previstas no seu núcleo. Dessa forma, após essa breve descrição de nossa metodologia, passaremos à analise dos dados de nossa pesquisa.
A Pesquisa
Nome |
Gênero |
Idade |
Escolaridade |
Profissão |
Renda |
Bianca |
F |
26 |
SC |
Médica |
5.000 |
Regina |
F |
32 |
SC |
Advogada |
2.800 |
Glória |
F |
35 |
PG |
Publicit/ Consultora |
5.000 |
Rosa |
F |
45 |
SC |
Designer/Profª. Universit. |
2.300 |
Marcela |
F |
33 |
PG |
Advog/ profª Universitária |
NI |
Flávia |
F |
32 |
SC |
Jornalista |
7.000 |
Paula |
F |
59 |
D |
Profª Universitária |
6.000 |
Pedro |
M |
40 |
PG |
Auditor Fiscal |
12.000 |
Alan |
M |
35 |
SC |
Artista plástico/Professor |
3.000 |
Bruna |
F |
46 |
PG |
Redatora/ Tradutora |
2.000 |
Roberto |
M |
67 |
D |
Prof. Universitário |
6.000 |
Michel |
M |
35 |
SC |
Empresário/ prof. Universitário |
4.800 |
NOTA: Nome (são usados pseudônimos para preservar a identidade dos entrevistados);
Escolaridade (PG=Pós-graduado; D=Doutor; SC= Superior Completo; SI= Superior Incompleto; FI=Fundamental Incompleto; EM=Ensino Médio);
Renda (individual, em Reais); SR=sem renda
Renda mensal
Média salarial de 12,18 salários.
Os entrevistados foram questionados sobre os seguintes pilares básicos:
Já usou produtos pirateados?
Por quê?
Se pudesse usaria sempre produtos originais?
Qual a solução para acabar com a pirataria?
O que leva uma pessoa a usar um produto pirata por um valor elevado?
O que você acha desse sistema de pirataria que acompanha a produção de objetos de marca ou grife?
Alguma observação ou sugestão?
Apesar de os entrevistados estarem dentro dos padrões sociais de classe média alta, apenas um deles respondeu não ter consumido produtos falsificados. Ou seja onze entrevistados usam ou já usaram produtos piratas. Os produtos que mais aparecem na lista de uso são predominantes CDS, DVD´S e softwares de computador.
De um modo geral os sujeitos alegam o alto custo dos produtos originais e a forte carga tributária como justificativa para consumirem as marcas copiadas. Deste modo, o baixo preço das mercadorias piratas são um atrativo. Mas há também respostas interessantes, como por exemplo, às que se referem ao aspecto de participar do mundo charmoso das grandes grifes, ou a maior facilidade em encontrar os artigos piratas. Lembremos que na cidade de João Pessoa ainda não se tem a oferta de produtos de marcas internacionais ao que toca os bens de moda.
Glória justifica o seu uso por não considerar aquele produto relevante para si: “Todos (produtos pirateados) comprei por ser algo que não dou valor, que será pouco usado, é mais barato, não acho justo os preços que praticam, mas sou contra a pirataria...”.
Já Pedro tem como motivação o status adquirido pelo uso da marca: “Pela necessidade ou desejo de usar um produto cujo original custa muito caro”.
Nos discursos a maioria dos entrevistados demonstrava o não apreço pela referência às marcas, como se a marca em si não fosse relevante, enxergando o produto apenas pela sua funcionalidade como os cd’s e softwares de computadores. Porém ao serem questionados na situação hipotética: se você pudesse, sempre consumiria produtos originais? Onze participantes responderam que sim, e apenas um afirma que mesmo com a possibilidade financeira de comprar somente produtos originais, ainda consumiria mercadorias piratas. O discurso de Bianca evidencia uma revolta com relação aos preços praticados pelos produtos originais de marca no Brasil “se estou fora do país não compro nada pirata, compro o original, por que a diferença de preço é pequena, mas em um país como o Brasil, em que são cobrados tantos impostos, quando o produto chega à loja está com um preço hipermegasuperfaturado.”
Quanto à diferença tangível entre o produto original e o pirata, os entrevistados foram categóricos em afirmar que a qualidade superior dos originais é visível, embora alguns afirmem não se importarem com essa qualidade dita superior.
Sobre o seu comportamento de consumo Glória diz: “Se achasse os preços justos de certos produtos consumiria sem dúvida, porque o original tem mais qualidade”. Roberto por sua vez diz saber da qualidade de um produto original, mas faz ressalva à sua cultura de consumo quando questionado se consumiria apenas originais responde: “Penso que não. Pois embora possa comprar coisas originais, termino comprando produtos pirateados. A diferença consiste em dar valor à verdadeira empresa que paga impostos, que dá emprego e distribui renda”
Até então foi questionado aos participantes sobre o uso de produtos falsificados especificamente, ou seja, se eles consomem e porque consomem. Deste modo foi evidenciada a preferência da maioria por produtos originais, porém como não podem pagar por eles, acabam cedendo ao consumo dos piratas. Para confrontar esse depoimento de consumo de mercadorias falsificadas apenas pela impossibilidade de pagar pelo original, foi perguntado: “o que leva uma pessoa a comprar um produto pirateado, que custa o mesmo valor de um original sem grife?”.
Neste momento é evidenciada uma relação conflituosa entre os depoimentos e o ato de consumo dos entrevistados. Mesmo após afirmarem serem consumidores de produtos falsificados, criticam esta ação, inclusive não se incluindo na categoria dos consumidores de pirataria. Falam com desdém do apreço a marca e a valorização de elementos como status, prestígio, etc. Apenas Bruna mostra-se coerente com sua resposta, já que afirma não consumir produtos falsos em nenhuma hipótese.
Rosa acredita que as pessoas consomem produtos falsificados de marca ao invés dos originais sem marca para “talvez aparentar uma situação social e econômica desejada, achando que acessórios vão mascarar o que se é de verdade... Mas às vezes é até gente que pode e mesmo assim compra. Talvez seja um mix de “emergente” com amarrada. E aquela velha história de levar vantagem”.
Para Bianca a justificativa é uma “visão pequena”, se referindo a indivíduos que “valorizam apenas o exterior ou o que as outras pessoas irão pensar deles”. Roberto enxerga a questão pelos valores éticos e morais da ação: “acredito que a justificativa seja pela atitude comum a todas as classes sociais de comprar coisas pirateadas, talvez pelo prazer de infringir a norma, ou talvez porque sejamos um povo com vocação de “cachorro vira-lata...”“.
Nos textos dos entrevistados foi evidenciado que desejos, imaginário, dessacralização, simbologia, conscientização, são palavras que mostram a complexidade do mundo da pirataria dos produtos de marca, sobretudo da moda. O consumidor brasileiro, independente de classe social e nível sócio-econômico, se comporta como se não estivesse inserido na complexa trama do consumo deste tipo de produto. Critica a atitude do consumidor que tenta levar vantagem, porém age igual, acredita que tem que haver repressão, porém não se auto-reprime e nem reprime os seus próximos, pensa que deve haver conscientização, mas não se conscientiza.
Por fim, todos cobram do governo investimentos em escolas, saúde, emprego, segurança, quando na verdade o consumo de produtos ilegais, piratas, ajuda a sonegar os impostos para estes investimentos. Pedro inclusive comenta um dado importante quando diz que “Um dado importante é a regularização do produto pirata, ou seja, empresas constituídas que recolhem seus tributos, vendem abertamente o produto pirata e, impressionantemente, a qualidade do pirata também chega a ser alta.” É como se a vantagem individual dominasse a consciência pelo bem coletivo.
Flávia encerra as entrevistas lembrando que “existe um fator importante que é o cultural. Muitas pessoas nem conhecem a marca e compram porque usar marca dá status e isso é de uma ignorância extrema. Você comprar um programa pirata por 300 reais enquanto o original custa 1.500 reais ainda é justificado, mas no quesito moda é pobreza intelectual. Isso acaba prejudicando o trabalho criativo, original de artistas não tão famosos.”
4. Conclusão
Esta pesquisa procurou analisar e discutir a questão da pirataria sob diversos ângulos, conforme expusemos ao longo do texto. Considerando que o consumo não existe apenas no ato de comprar, mas indica dimensões simbólicas, a pirataria realiza o desejo do ser humano de participar e se incorporar aos signos das classes mais abastadas. “Consumo marcas famosas, logo existo”, parece ser o lema que faz uma analogia à frase famosa de Descartes, e que parece ser o lema dos que produzem e dos que consomem produtos pirateados.
Após a análise das considerações e da pesquisa exploratória, conclui-se que a pirataria moderna é um modo de inclusão. Os indivíduos querem fazer parte deste grupo seleto capaz de consumir conspicuamente, todos desejam ter acesso ao que a mídia e o mercado oferecem e freqüentemente impõem. E ao ser sentir incluído a partir do consumo de falsificações o homem deseja, sonha, sente prazer em demonstrar e ostentar os símbolos, as marcas, os distintivos de seu mundo social.
Consumir essas marcas, esses ícones, é uma forma de se afirmar e revelar o seu pertencimento. Debord (1997) concorda com esta linha de pensamento quando vê na mercadoria, e também na mercadoria pirateada, a ocupação total da vida humana a tal ponto que “toda vastidão da sociedade é o seu retrato”. A pirataria não pode ser analisada apenas do ponto de vista da legalidade e do infringimento à regra. Piratear é antes de tudo, um movimento que envolve elementos jurídicos, sociais, econômicos, antropológicos e psicológicos.
As respostas dos sujeitos desta pesquisa revelam que consumir um produto pirateado não é apenas uma questão de poder aquisitivo, ou da falta dele, mas sobretudo da simbologia das marcas e das novas necessidades humanas. Necessidades que são fabricadas (ALLÉRÈS, 2006), é a ânsia do ter para ser. Miranda (2008) cita ainda
Por exemplo, o novo rico demonstra seu status mediante o consumo conspícuo de produtos que têm pouca ou nenhuma utilidade ou função. Todo objeto comercial tem caráter simbólico: fazer uma compra envolve a avaliação do seu simbolismo, para decidir se é ou não adequado ao seu comprador (p.42)
Por isso associar o aumento vertiginoso do mercado de luxo e da pirataria é algo que está totalmente relacionado e que faz com que o consumo de produtos piratas esteja na esfera do desejo, do sonho, da vontade de se diferenciar, pois ostentar o símbolo é algo maior que apenas consumir, e nesse sentido, o consumo do produto ainda que pirata supre esse desejo em vários aspectos.
Podemos concluir dizendo que artigos de moda, acessórios, livros, perfumes, produtos eletro-eletrônicos, símbolos, softwares, mesmo reproduzidos e pirateados, não podem ser analisados como exteriores ao ser humano, este ente de imaginação que faz do desejo e do sonho o objetivo de sua vida.
Referências Bibliográficas:
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DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997
DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006
FORTES, Luíz R. S.O iluminismo e os reis filósofos. São Paulo: brasiliense, 1981.
LIPOVETSKY, Gilles; ROUX, Elyette. O Luxo Eterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
LURIE, Alison. A Linguagem das Roupas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
MALHOTRA, N.K. Pesquisa de Marketing. 3. ed. São Paulo: Bookman, 2001.
MC LUHAN, Marshall. Os meios de Comunicação como extensão do homem. São Paulo: Cultrix, 1988.
MIRANDA, Ana Paula de. Consumo de Moda: A relação pessoa-objeto. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2008.
SCARABOTO, Daiane et al. Pequenos Luxos, Grandes Prazeres - Significados do Consumo e Valores dos Consumidores de Joalheria e Vestuário de Luxo. Anais do II Encontro de Marketing da ANPAD (EMA, 2006). Rio de Janeiro: Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração (ANPAD), 03-05/05/2006.
STREHLAU, S. A Teoria do Gosto de Bourdieu Aplicada ao Consumo de Marcas de Luxo Falsificadas. Anais do XXIX Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração (ENANPAD 2005). Brasília: Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração (ANPAD), 17-21/09/2005.
THOMAS, Dana. Deluxe: Como o luxo Perdeu seu Brilho. Rio de Janeiro:Elsevier, 2008.
VEBLEN, T. Teoria de la Clase Ociosa. Mexico: FCE, 1974.
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Gabriela Maroja Jales De Sales
Professora e Coordenadora do Curso de Design de Moda do Unipê- Centro Universitário de João Pessoa. Mestranda de Sociologia do PPGS da UFPB, aluna-pesquisadora do Grupo do CNPQ Mídia, Cultura e Consumo. |
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Maura Carneiro Maldonado
Professora do Unipê- Centro Universitário de João Pessoa e da Faculdade INPER. Mestre em Administração pelo programa PPGA da UFPB. |
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